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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Máscara

Quem sou eu
Esta carcaça que desfila máscaras
E representa trechos de dramas
Por escrever?

Nos bastidores da vida
Finjo vivê-la
Invisto em papéis
Que não sou eu.

No meio do palco
Iluminada pelas luzes dormentes
Dos holofotes que me invadem
Sinto o susto
De não ser eu.

Aplausos
Não os quero
Sabem a lágrimas
E cheiram a janelas fechadas.
 
Quero a brisa da manhã
A asa da andorinha
Que voa para o Sul.

A arte da voluptuosidade

«[...] a voluptuosidade é uma arte - e, talvez a mais bela de todas. Porém, até hoje, raros a cultivaram nesse espírito. Venham cá, digam-me: Fremir em espasmos de aurora, em êxtases de chama, ruivos de ânsia - não será um prazer bem mais arrepiado, bem mais intenso do que o vago calafrio de beleza que nos pode proporcionar uma tela genial, um poema de bronze? Sem dúvida, acreditem-me. Entretanto o que é necessário é saber vibrar esses espasmos, saber provocá-los. E eis o que ninguém sabe; eis no que ninguém pensa. Assim, para todos, os prazeres dos sentidos são a luxúria, e se resumem em amplexos brutais, em beijos húmidos, em carícias repugnantes, viscosas. Ah! mas aquele que fosse um grande artista e que, para matéria-prima, tomasse a voluptuosidade, que obras irreais de admiráveis não altearia!... Tinha o fogo, a luz, o ar, a água, e os sons, as cores, os aromas, os narcóticos e as sedas - tantos sensualismos novos ainda não explorados... Como eu me orgulharia de ser esse artista!... [...].»

      SÁ-CARNEIRO, Mário de (2010) - "A Confissão de Lúcio", in Verso e Prosa, Lisboa, Assírio & Alvim, pp. 303-304.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cotovia

    Senta-te na relva molhada e conta-me os augúrios da manhã. Verbaliza as histórias da terra no canto daquela cotovia longínqua que traz novas do sul. Empresta-lhe a tua voz para que ela nos diga como fala o vento e de que conversam as árvores de folhagem sempre verde. Pede-lhe que nos descreva a tonalidade do orvalho e o cheiro dos primeiros raios de sol. Pergunta-lhe como é a poesia dos outros lugares da terra…



   Ouve-a e descobre mistérios nos olhos pequeninos com que abarca o mundo. Imagina-lhe a suavidade das asas que se não deixam tocar. Quero ser cotovia e em ti voar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Segredo

Trazes a frescura da manhã
quando desces a estrada
para colher uma flor
Enroscas-te na memória de nós
e procuras o conselho
da nossa alegria
Conta-me o que viste
lá ao fundo
no jardim
e enfeita o meu colo
com gargalhadas de arco-íris
Espalha versos no regato
e liberta as promessas
que fizémos
Vê-as vogar
nas ondas do tempo
- o barco lento da saudade --
que nos embala
numa festa de estrelas

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

“Nas grades da Liberdade” – da escuridão à luz


    “Nas grades da liberdade”, a antologia poética de Ângelo Fitas inserida na obra Palavras Nossas (2011), distingue-se pela forma introspetiva e catártica com que o eu poético se refere a um percurso que o conduz da escuridão à luz, tornando-se esta dicotomia o seu aspeto mais flagrante. Como se fizesse uma pausa na sua existência, o eu detém-se no presente para repensar o passado e dar ao futuro um novo rumo: «[…] Nasceu a luz do dia e felizmente / Minha alma de novo se iluminou / Ao ver que a vida é bem diferente / Daquela que a noite me mostrou» (“De bar em bar”).

    Da poesia de Ângelo Fitas transparece um profundo sentimento humanitário, atento e denunciador das desigualdades sociais, assim como das limitações que a vivência da marginalidade acarreta para a fruição plena da vida em sociedade. Desta forma, podemos afirmar que o autor assume o compromisso heroico da luta pelo bem comum, numa voz clara, despida de retórica, sensível e direta. Ecoam nestes poemas vestígios da tradição poética portuguesa, em que é possível identificar o tom de denúncia e – por vezes – irónico de António Aleixo e a cadência camoniana da palavra amorosa.

    Uma experiência de leitura enriquecedora pela realidade que desnuda e pelas questões que desperta!



                                                                                                                                 Catarina Teixeira

Estrela



     Abre a janela e deixa entrar a poesia na tua vida em sufoco. Atreve-te a olhar o céu e a desejar aquela estrela que te ilumina e cativa. Confia nas asas com que foste fadada. Segue-a. Não a deixes fugir do teu sonho, se a escolheste para te banhar com o seu brilho.

    A tua estrela cheira a lavanda e a prados silvestres de perder de vista. Tem as cores do arco-íris e o canto da água a cair na terra seca. Ninguém a admira como tu. Desejar o alto não é pecado. É abrir os braços para a vida e recebê-la com um sorriso.