é antiga a ternura do teu gesto
tão antiga que é presente
galgou eras e séculos
e veio repousar no meu colo
qual ave que regressa ao ninho
a saudade da tua ternura
essa também vem de longe
abriu as comportas do tempo
e sentou-se ao meu lado
neste banco de jardim
em que me medito
boa companhia
a saudade da ternura
e a ternura da saudade
folha de outono suspensa em mim
memória da semente
que será flor
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Daqui partiram as naus e aqui se
ouviram os vaticínios de um Velho que ficou na praia. Na opinião de uns, tinha
uma perspetiva pessimista e agoirenta da grande empresa do peito ilustre lusitano, na opinião de outros, era a voz do saber
experiente, a visão realista construída pelos anos. As naus partiram, voltaram
ou, simplesmente, naufragaram e permaneceram quietas, envoltas em lodo e
plantas marinhas, casa de peixes e albergue de corais. Tesouros desconhecidos
repousam nas profundezas e sopram, ao rio, memórias de tempestades e bonanças,
resíduos de um sonho que putrifica nas águas silenciadas, outrora palco de um
país que não foi.
O murmúrio fresco das águas tornou-se
um sussurro abafado, quem sabe o vestígio das lágrimas choradas pelas mães,
pelos filhos, pelas noivas por casar, ou, talvez, pelo Gigante horrendo e
amargo, castigado pela impassível tortura eterna de uma Tétis insensível ao
lamento intemporal do bem perdido. As naus perderam-se e, com elas, o
chamamento das ondas. Pelos recantos da cidade, ainda ecoam as palavras do
Velho, mais pesadas que as maldições do Gigante que, essas, foram caindo no
esquecimento e, se alguém delas se recorda, é por terem ficado registadas na
História Trágico-Marítima. O preço a pagar pela ousadia de superar a condição
humana, o sofrimento que resgata e legitima o desejo que o homem tem de se
divinizar.
Quem apurar os sentidos pode perceber,
na cidade suspensa, o diálogo caleidoscópico que a neblina entabula com a
memória. Escorrem, pelas pedras, silvos de espadas, lamentos de dor, tilintar
de ouro, suspiros de morte ou de saudade, reflexos de lua cheia, marulhos de
ondas aradas por marinheiros garbosos, imbuídos do desejo de fama e do heroísmo
inspirado. É esta a cidade suspensa, a mesma em que Ulisses aportou, a que fora
fadada para um fado maior, abençoada por Deus e escolhida pelos deuses.
Cidade-mãe de imortais heróis. Cidade fantasma de um sonho definhado, impávida
sepultura de cadáveres adiados, acompanhada pela noite húmida de silêncios mal
iluminados, vazia de transeuntes nesta hora de jantar em que as famílias,
pretensamente felizes, se reúnem à mesa das suas possibilidades, ausentes do
passado, esquecidas do futuro, adormecidas no presente. (...)
sexta-feira, 31 de maio de 2013
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Manhã
Abraço a luz da manhã,
Eco da visão ancestral.
Murmúrio de ti,
Voz povoada de augúrios,
Seiva da alma do tempo.
Canta e ilumina
Meu caminho na floresta,
Sussurra os segredos
Do sonho que me habita,
Desvenda o orvalho
Em beijos primaveris.
Doce estrela matinal,
Tange a lira da aurora
E derrama em mim
O néctar da melodia!
Abraço a luz da manhã,
Eco da visão ancestral.
Murmúrio de ti,
Voz povoada de augúrios,
Seiva da alma do tempo.
Canta e ilumina
Meu caminho na floresta,
Sussurra os segredos
Do sonho que me habita,
Desvenda o orvalho
Em beijos primaveris.
Doce estrela matinal,
Tange a lira da aurora
E derrama em mim
O néctar da melodia!
sábado, 9 de março de 2013
Raindrops
Infância
Os sonhos que teço são o lençol
que me cobre quando te dou
o canto das aves
Pele de pele sonho de sonho
anseio que se evade do corpo
e sublima a alma
Boca e olhos
pomos frutados
de um halo de luz
Voz e palavras
eras suspensas
de jardins místicos
Espaços intemporais
de crianças descalças
correndo na relva
que me cobre quando te dou
o canto das aves
Pele de pele sonho de sonho
anseio que se evade do corpo
e sublima a alma
Boca e olhos
pomos frutados
de um halo de luz
Voz e palavras
eras suspensas
de jardins místicos
Espaços intemporais
de crianças descalças
correndo na relva
sexta-feira, 8 de março de 2013
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
A Avó e eu
A minha infância intercalava entre duas realidades: a ausência da avó e a vinda da avó, sempre tão desejada e por quanto mais tempo melhor. A avó era muito bonita e vivia em Lisboa. Eu, logo que aprendi a escrever, enviava-lhe cartas e postais ilustrados com regularidade, para a manter a par das novidades que iam acontecendo nesta minha aldeia onde nada acontecia e onde eu passava o tempo a sonhar acordada com as saídas que me permitiriam ver o mundo para lá da “estrada nova”.
A visita da avó empolgava-me e enchia-me de alegria. Era alegre, bem-disposta, contava-me tantas coisas – do mundo e das pessoas e de nós. Tinha os olhos brilhantes, embora, por vezes, tristes - mas era uma tristeza que logo a sua vivacidade disfarçava. Quando chegava “o dia”, eu não saía da porta ou da janela. Preferia mesmo estar à porta quando a avistasse, pois, assim, só teria de correr estrada acima, ao seu encontro de braços abertos e o coração cheio de luz. Gostava de a ir receber, ajudá-la com os sacos, embeber-me naquele sorriso tão desejado… Surgia sempre com a postura de uma rainha. Sem excessos. Sem luxo. Mas radiosa. Bem penteada, com os ganchinhos todos no sítio, de brincos, com roupa ajustada à medida e bem conjugada. Ainda hoje me lembro de uma das roupas que mais usava: saia de xadrez verde e preto, com colete a condizer, blusa branca de gola e punhos rendados e uma pregadeira prateada com um brilhante verde-escuro. A minha avó era uma senhora! Uns passos atrás, mais devagarinho e menos energicamente, vinha o avô – um cavalheiro, alto, magro e direito, de chapéu à Fernando Pessoa e fato inteiro. Ela, vibrante. Ele, calado. Mas um casal inesquecível!
Penso que, por vezes, eu me tornava um pouco maçadora… Mas tentem entender: eu tinha fome da avó. Não que sentisse despertar em mim instintos canibais menos próprios, mas porque a avó tinha muito a ver comigo e preenchia o meu mundo. Ela era tudo aquilo que eu não tinha no quotidiano: desde a infalível tablete de chocolate comprada na estação de metro, àquela companhia estimulante e nunca suficiente. Fazia crochet, enquanto eu desenhava, lia ou escrevia. Falava-me da cidade, dos monumentos, das pracetas e dos jardins, e da forma como as pessoas eram educadas e polidas, contava-me episódios da infância do meu pai e do meu padrinho, pautada pela pobreza, mas, em contrapartida, pela elevação de valores, por uma visão que transcendia o mundinho a que eu, por nascimento, parecia estar limitada. Falava-me de livros e prometia que, assim que eu “tivesse idade”, me deixaria ler todos aqueles que tinha bem cuidados e arrumados na pequena estante da sala. Entretanto, enquanto não os podia ler, eu pedia-lhe que me fosse contando as histórias e, desta forma, ia imaginando os pormenores da intriga e a descrição das personagens. Ensinava-me a ser uma “senhora” e corrigia os meus comportamentos de desajeitada criança aldeã, criada na liberdade de uma bicicleta e na intimidade dos livros. Sempre com uma postura pedagógica, paciente e construtiva. Contava-me os seus planos de futuro para mim – sendo o dela já tão curto… Dava-me a mão e, ao ouvido, dizia-me que me via muito bonita e feliz – juro que ainda sinto a sua mão na minha. Uma mão suave, mas firme e acolhedora, que me tranquilizava e me abria a porta para o mundo que só ela via, mas que me permitia entrever.
Olhando para trás, penso que a minha solidão começou, quando a avó definhou como a flor que murcha perante os nossos olhos incrédulos. Eu tinha catorze anos. A sua partida deixou o meu mundo mais vazio e, a pouco e pouco, senti necessidade de a procurar em mim para me reencontrar. Não são raras as vezes em que a sinto próxima, a segredar-me ao ouvido e a dar-me a mão, quase impercetivelmente, a inspirar-me confiança e a recordar-me os sonhos que via em mim.
Conforme avanço na idade, mais me lembro da minha avó, da falta que a sua presença física me faz. Precisava daquele sorriso, daquele caráter destemido e seguro que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, nunca deixou esmorecer. Ela nunca me deixaria sozinha. Ouvir-me-ia, limpar-me-ia as lágrimas e far-me-ia erguer a cabeça e acreditar que, um dia, tudo seria diferente – para melhor… Hoje sei que a pessoa que sou procura honrar a memória desta mulher inolvidável que, das estrelas, me sorri quando me sinto só. É o calor da sua mão que me dá alento para continuar a procurar, nos livros, as respostas que não encontro no mundo. É a sua postura de rainha sem trono que me faz acreditar que a ambição desmedida não me fará chegar aonde tenho de chegar. Para sermos felizes, basta-nos sermos nós, sem nunca deixarmos de olhar o céu e prestar atenção ao toque discreto que nos afaga a mão e nos limpa as lágrimas.
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