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domingo, 20 de novembro de 2011

Babusku, o gato violinista

    Contaram-me que, na Pérsia, um país vasto e distante onde tudo parece retirado de uma história encantada, havia um gato que queria ser violinista. Isto não teria nada de excecional se o gato, que se chamava Babusku, não vivesse no palácio do Xá e não fosse um dos seus gatos de estimação. Ora, toda a gente sabe que um animal de estimação, ainda para mais de alguém tão poderoso e importante como o Xá da Pérsia, não deve nem tem que fazer mais nada na vida a não ser limitar-se a andar por ali, a receber miminhos, a comer iguarias, a dormir por onde lhe apraz… E acreditem que, para um gato persa, este tipo de vida já é agitada quanto baste! Mas Babusku não se contentava com uma existência ociosa nem era gato que desistisse facilmente dos seus sonhos, como veremos mais adiante.
    No palácio do Xá, vivia, desde há muitos séculos, uma família de lindos e aristocráticos gatos persas, cobiçados por toda a Europa por serem uma raridade. Esta raça de gatos distingue-se pelo seu macio e lustroso pêlo comprido, pelo nariz arrogantemente achatado, pelas minúsculas orelhas aveludadas, pelos atentos e líquidos olhos enormes… Além desta invulgar beleza, costumam possuir um carácter preguiçoso e independente. Ao longo da História da Pérsia, circularam pelo palácio, comeram à mesa da família real, partilharam os seus aposentos privados, ouviram conversas, assistiram a nascimentos, casamentos e mortes, tornaram-se confidentes nas horas de tristeza e festejaram as alegrias e vitórias… Enfim, pertenciam à vida da corte e nunca nenhum deles tinha posto isso em causa até à chegada do nosso protagonista.

    Babusku era um belíssimo exemplar da sua espécie: tinha o pêlo de um dourado com reflexos cobre, macio como algodão e lustroso como o cabelo de uma donzela; a sua cauda peluda abria-se como um leque e ondulava levemente quando ele caminhava; os olhos curiosos eram azulados e expressivos como os de um humano, e o focinho, de traços suaves e amistosos, dava-lhe uma expressão quase sorridente. Era meigo, fiel e afeiçoava-se às pessoas, ao contrário da maioria dos gatos que, apesar de gostarem dos donos, mantém sempre uma distância que lhes assegure a independência. Por ser tão especial, Babusku conquistou a preferência do Xá.
    Embora viver no palácio pudesse ser um sonho para qualquer gato, não era isso que Babusku queria para si. Na verdade, desde cedo percebeu que uma vida de ócio e abundância sem esforço não era suficiente para a sua felicidade. Sonhava atravessar as pesadas portas que o protegiam da rua e correr o mundo como os músicos e actores que, amiudadamente, visitavam e animavam o palácio. Mas não pensem que este desejo tinha fundamentos numa ingenuidade lírica! Não, era algo consciente, muito bem pensado e acalentado ao longo de uma vida. Ele sabia que a vida lá fora era um risco constante, pois costumava ouvir as conversas dos criados e dos guardas. Sabia que os camponeses passavam fome e grandes dificuldades, que existiam pessoas sem eira nem beira que mendigavam pão e água, que os homens se matavam uns aos outros por causa de algumas moedas ou de um pedaço de terra… Sim, Babusku sabia que o mundo exterior não era um conto de fadas, mas, mesmo assim, pretendia ir em frente com os seus intentos.  (...)