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terça-feira, 19 de abril de 2011

Mistério

    Quem és tu afinal, que foges de mim como o diabo da cruz? O diabo na cruz nunca fez mal a ninguém, o pior é quando ele anda à solta como tu, respondeu-me ela, com o sorriso indecifrável que me confundia, mas que me fascinava. Fugiste novamente à pergunta e, pelos vistos, não vale a pena fazer-ta de novo. Não valia mesmo. Ela não me respondia. Eu bem queria que ela me desse oportunidade de lhe agarrar as mãos, de a olhar nos olhos e, como um cavalheiro de antigamente, declarar-lhe todo o amor, a paixão, o fogo que me consumia e me tirava a tranquilidade. Evadia-se-me no momento em que eu tentava dar alguma seriedade ao assunto, sei lá, compor o cenário, aproximar-me mais daquele canteiro florido, ou procurar a cascata como fundo. Sentia-me ridículo, a procurar o lugar e o momento perfeitos. Se ela me amasse, se estivéssemos em sintonia, não haveria essa necessidade. Tudo seria naturalmente… perfeito! Mas já sabem como são os homens, quando põem uma coisa na cabeça. Tem de ser como nós queremos. Para nós, o mundo dos sentimentos é um mundo arriscado. Ou se ganha ou se perde. Não há meio-termo e nós não gostamos de perder.


   Vem cá, aproxima-te… Tento chamá-la, como em miúdo fazia com o meu gato. Se o chamasse de mansinho, com um tom submisso, talvez ele se aproximasse. Às vezes, levava tempo. Chamava-o e nada. Mas, normalmente, ele caía na armadilha. Aí, agarrava-o e fazia-lhe todas as diabruras – e mais algumas –, aquelas que o afeto de um dono pelo seu animal de estimação permite. Mas ela não era um gato, nem se deixava seduzir por um bichanar gasto e ridículo, puído como um sofá que, embora resistente ao tempo, nunca tivesse tido uma utilidade justificada. Pressentindo as minhas fragilidades de homem vivido, os vícios em que o ciclo do amor nos consome, afastava-se. Orgulhosa, altiva, desafiadora, como quem me pretendia dizer que aquela cantiga já era velha, que já a tinha ouvido muitas vezes e que era preciso muito mais para a cativar, para a surpreender, para – no meu desejo – a aprisionar. Serão as falácias do amor suficientes para que me desencoraje? Não acredito. Eu sou homem e tenho instinto de caçador. Está-me nos genes, percebes? Não o posso evitar. Eu bem queria conhecer um segredo, uma poção mágica, uma fórmula, um feitiço ancestral e inquebrável que te fizesse minha para sempre! Contudo, para que isso acontecesse, era preciso que eu acreditasse. E eu não acredito. Não acredito. Não acredito nas fórmulas e não acredito no amor eterno. Acredito, sim, nas surpresas que encerras para um homem comum como eu. Acredito, sim, que o teu sorriso carrega o poder de transformar o mundo. Se é desejo? Não sei. Acredito que seja muito mais do que isso. Acredito que seja uma promessa de eternidade que me está vedada por este ceticismo torpe que, em vez de me amaciar, me incendeia aquela faceta predadora que tento esconder de ti – em vão.

     Quem és tu, que me encantas e me fazes sorrir sem razão? Quem és tu, que me tranquilizas e me fazes experimentar o sentimento de pertença a um Universo tão insondável como os enigmas do teu olhar?