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terça-feira, 5 de julho de 2011

Manhã

O dia escureceu e a manhã acordou encarquilhada. Enrugada como a casca de uma árvore de milénios, alma vivida como o tempo. A bailarina, a rapariga das flores e tantas outras como elas desfilaram perante os seus olhos doridos. A leveza da dança, a alegria, o brilho dos olhos, o perfume das flores desvaneceram-se. Desapareceram numa névoa que, de tão ilusória, pareceu real. Avalanche de sonhos pela montanha abaixo, pedaços desfeitos presos nas rochas do precipício. Onde está a música que a fez dançar? Onde estão as flores que, antes de murcharem, eram vida e perfume? Ouve-se, ao longe, um violino tímido e, na neve, desponta uma florinha trémula que quer abrir-se para o mundo… O mundo, deixem-me rir, disse a manhã, irónica. O mundo! O que é o mundo? Onde está o mundo? Existirá mundo, enquanto existir maldade e sofrimento? A manhã duvida, porque as manhãs também têm dúvidas. Dúvidas tão eternas como elas.